Yes, nós temos banana
Por Maurício Cardoso – Professor de História da USP
Revista Carta na Escola, ed. 47, Jun/Jul 2010
No início do filme (Olhar Estrangeiro), a diretora Lúcia Murat apresenta, sem rodeios, o tema que motivou a sua pesquisa: analisar a construção dos clichês sobre o Brasil que durante décadas foram alimentados por filmes europeus e norte-americanos cujas histórias se passavam especialmente no Rio de Janeiro e na Amazônia. A exceção de uns três materiais de arquivo. Olhar Estrangeiro (Brasil, 2005, 70 min.) baseia-se em entrevistas com atores, diretores, roteiristas e produtores de filmes nos quais mulheres sensuais, grupos de samba, vendedoras de acarajé, araras, cobras e macacos tingem de exotismo os cenários de histórias inverossímeis, protagonizadas por heróis e mocinhas que falam inglês.
Qualquer um que tenha se indignado com os estereótipos mais corriqueiros desses filmes pode ter concluído sem muito esforço que os donos do negócio cinematográfico pouco se importam com as realidades locais. Afinal, o que o cinema industrial vende é fantasia, aventura, erotismo e outras pulsões que se equacionam facilmente no binômio sexo e violência - sob os mais indescritíveis disfarces. Aliás, o problema se estende para todo o mundo não ocidental: basta pensar em Casablanca ou Transformers para se ter idéia clara sobre a diferença entre o mundo real dos países árabes e estas representações cinematográficas.
No entanto, Olhar Estrangeiro tem a ousadia de investigar o que a cineasta chama de indústria cultural "de carne e osso", isto é, os indivíduos que financiaram, dirigiram, interpretaram ou escreveram os clichês que engolimos diariamente. O filme favorece um exercício sutil de constrangimento: a princípio, os entrevistados falam de seus filmes com indisfarçável orgulho profissional, mas as perguntas de Murat (algumas captadas pelo áudio, outras em off) colocam discretamente um problema simples: "Se você sabia que estava inventando uma história sem conexão com o local, não lhe parece irresponsável criar uma imagem tão equivocada e preconceituosa?" Dá para imaginar o desconforto desses homens tão acostumados ao jornalismo entusiasmado por suas carreiras mais ou menos brilhantes - entre os astros entrevistados, o ator inglês Michael Caine (famoso entre os mais jovens por viver o mordomo Alfred, dos filmes recentes do Batman) e o ator norte-americano Jon Voight (que protagonizou o Secretário de Defesa, em Transformers).
Por outro lado, não são apenas os entrevistados que se sentem desconcertados. Sem medo de enfrentar o assunto, o documentário valoriza algumas respostas e representações que o espectador brasileiro tende a repudiar. A sensualidade da mulher brasileira, o bom humor e a cordialidade, o clima tropical e a imagem de Carmen Miranda, entre outros temas, são problematizados. No fundo, a pergunta que o filme nos faz é: afinal, quem somos nós?
Em sala de aula, Olhar Estrangeiro contribuiu para o debate sobre a construção da identidade nacional e da formação da nação, pois, ao tratar do ponto de vista estrangeiro, Murat está sempre mostrando nossa imagem no espelho. O único cuidado adicional, ao exibi-lo, é que há algumas cenas de nudez que podem atrapalhar a reflexão séria proposta pelo filme.
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