Quase toda família de classe média brasileira tem uma trabalhadora doméstica ou uma diarista. Estima-se que mais de 6 milhões de mulheres exerçam essa função no país, das quais cerca de 100 mil são sindicalizadas. Apesar dessa expressividade, o grupo ainda não conquistou "direitos básicos"** de outras categorias, mantendo semelhanças, em alguns aspectos, com os escravos do Brasil Colônia (ver art. 7º da CF/88, dos Direitos Sociais, no final do texto).
De acordo com estudo do sociólogo Joaze Bernardino-Costa, após 70 anos de história de organização política, esse público continua privado, por exemplo, da regulamentação da jornada de trabalho e do FGTS, que hoje é facultativo e depende da boa vontade do empregador. Segundo Bernardino-Costa, as autoridades e a sociedade devem ser mais sensíveis à categoria, que reúne um conjunto único de características ligadas à exclusão. Primeiro, encontram-se na base da pirâmide social, tradicionalmente subjugada pelas demais classes. Em segundo lugar, exercem atividades que se aproximam de reminiscências da escravidão. Por fim, abrangem, em sua maioria, um público ligado a três fatores históricos de discriminação: gênero, classe e raça.
Desta forma, a agenda política das domésticas incorpora um ponto de vista único e estratégico, uma vez que vivenciam, na prática, a bandeira de diferentes movimentos. “As trabalhadoras domésticas nos impõem a revisão do nosso pacto de nação”, diz o pesquisador. (Veja entrevista do sociólogo, abordando o assunto, no sítio Brasil de Fato através do link http://www.brasildefato.com.br/node/5958).
* Reprodução, extraído de www.secom.unb.br, com adaptações.
** Dos 34 incisos, ou seja, dos “direitos básicos” previstos aos trabalhadores urbanos e rurais no art. 7º da CF/88, apenas nove deles (IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV) são extensivos aos “trabalhadores domésticos”, o que comprova o regime de escravidão e/ou exclusão social imposto “constitucionalmente” a esta categoria. O que é uma grande vergonha implícita na nossa Carta Magna de 1988; a nossa ironicamente chamada “Constituição Cidadã”. Vale ressaltar que o próprio Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em 2004, publicou uma espécie de cartilha descrevendo esses "direitos" e expondo o que considera como "empregado doméstico": "Considera-se empregado(a) doméstico(a) aquele(a) maior de 16 anos que presta serviços de natureza contínua (freqüente, constante) e de finalidade não-lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas. Assim, o traço diferenciador do emprego doméstico é o caráter não-econômico da atividade exercida no âmbito residencial do(a) empregador(a). Nesses termos, integram a categoria os(as) seguintes trabalhadores(as): cozinheiro(a), governanta, babá, lavadeira, faxineiro(a), vigia, motorista particular, jardineiro(a), acompanhante de idosos(as), entre outras. O(a) caseiro(a) também é considerado(a) empregado(a) doméstico(a), quando o sítio ou local onde exerce a sua atividade não possui finalidade lucrativa". Essa cartilha não deixa dúvidas quanto à legitimação do preconceito racial imposto pela Carta Magna de 1988, ainda que tenha recebido alguns remendos. As tarefas atribuídas ao domésticos muito se assemelham ao que os escravos faziam durante o Império. As mulheres passavam 24 horas por dia à disposição, do Senhor ou da Sinhá, em troca de comida e, no máximo, do direito de não serem açoitadas. Veio a Lei Áurea que apenas transferiu os negros, das senzalas para as favelas, e dos cortiços para as celas, como já dizia o poeta Lobão. Antes, quem açoitava os negros eram os capitães do mato, hoje é a própria polícia, que não pensa duas vezes antes de rotular uma pessoa de pele escura. Lamentável, simplesmente. Nosso DNA ainda está impregnado de racismo, e nossa Constituição oficializa e legitima tamanha leviandade.
Art. 7º ( CF/88) São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social (os incisos grifados em vermelho são os extensivos à classe das empregadas domésticas e/ou diaristas):
I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;
II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;
III - fundo de garantia do tempo de serviço;
IV - salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suasnecessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;
V - piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho;
VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
VII - garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável;
VIII - décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;
IX - remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;
X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;
XI - participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente,
participação na gestão da empresa, conforme definido em lei;
XII - salário-família para os seus dependentes;
XII - salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; (vide Decreto-Lei nº 5.452, de 1943)
XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;
XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;
XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal; (Vide Del 5.452, art. 59 § 1º)
XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;
XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;
XIX - licença-paternidade, nos termos fixados em lei;
XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;
XXI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei;
XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;
XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;
XXIV - aposentadoria;
XXV - assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até seis anos de idade em creches e pré-escolas;
XXV - assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)
XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;
XXVII - proteção em face da automação, na forma da lei;
XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;
XXIX - ação, quanto a créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de:
XXIX - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 28, de 25/05/2000)
a) cinco anos para o trabalhador urbano, até o limite de dois anos após a extinção do contrato; b) até dois anos após a extinção do contrato, para o trabalhador rural; (Revogado pela Emenda Constitucional nº 28, de 25/05/2000)
XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;
XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;
XXXII - proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos;
XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de quatorze anos, salvo na condição de aprendiz;
XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
XXXIV - igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso.
Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV, bem como a sua integração à previdência social.